Unidade 3

Elementos Direito
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Introdução

          De forma predominante, a doutrina costuma associar o termo “hermenêutica” a “Hermes”, personagem que, de acordo com a mitologia grega, tinha o papel de fazer a interlocução entre os deuses e os mortais, tornando as mensagens divinas inteligíveis aos humanos.

            Fonte: https://images.app.goo.gl/L9U6wNgjGGKyH2mT8

A hermenêutica é um problema que acompanha o jurista de há muito, embora seus alicerces teóricos tenham se desenvolvido com mais vigor, a partir do mundo moderno. O procedimento da interpretação jurídica do presente é bastante distinto daquele do passado. Nas sociedades antigas, tanto os textos a serem interpretados eram tomados de modo distinto daquele da norma moderna, como também, o jurista se estruturava e se compreendia numa perspectiva existencial distinta.

O texto jurídico normativo, em sociedades antigas, como a hebreia, a grega ou a romana, confundia-se com a religião, compartilhando os mesmos sentidos e, inclusive, referenciando-se com o misticismo particular de cada povo. Ao mesmo tempo, o jurista, como intérprete, relaciona-se, indelevelmente, com a vontade direta dos detentores do poder político e físico. Não se pode tratar o jurista antigo, na hermenêutica, como um técnico neutro e alheio a outras circunstâncias, nem tampouco respaldado em competências normativas independentes da graça ou da concessão de poder dos senhores.

As relações sociais são jurídicas por conta da forma que assumem. Vinculando-se aos indivíduos por laços contratuais, vão tomando forma, então, de sujeitos de direito. Tais formas sociais não são opções pessoais, mas sim construções e constrangimentos estruturais advindos da própria reprodução social. São práticas. Pode-se dizer, neste nível, que as formas do direito operam materialmente, constituindo grandes moldes às ações dos sujeitos, sejam estes juristas ou não juristas.

Mas ao mesmo tempo, agindo a partir das formas, há uma multiplicidade de situações, fatos e normas que são entendidos como jurídicos tendo em vista estruturas de compreensão e de referências que lhes são interpostas. O jurista e o não jurista, com base em experiências, hábitos, explicações, atenções e desatenções, consideram que determinados atos e circunstâncias implicam repercussões jurídicas, seja porque as normas ali incidem, seja porque tribunais e operadores do direito tradicionalmente julgam e se ocupam de tais casos, ou seja ainda pelo potencial de vir a público suas derivações possíveis.

Em todos esses casos, o direito está ligado aos fatos e às situações por conta de um complexo interpretativo. Essa visão tem por horizonte a norma jurídica, as jurisprudências, mas não só: cálculos, estratégias, leituras de mundo. Além disso, há perspectivas de mundo que se impõem estruturalmente  quem percebe o direito, como a ideologia.

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Aponta-se então que um dos aspectos mais destacados da Teoria Geral do Direito diz respeito da hermenêutica jurídica. Compreende-se do vasto campo do conhecimento jurídico que guarda referência à interpretação dos fatos, das circunstâncias, das normas e de seus textos, os meios de sua compreensão, à guisa da sua aplicação aos problemas concretos apresentados ao cientista do direito.

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Fonte: https://images.app.goo.gl/LetJss2gN25Dbwxh9

 Ao contrário do que propõem as leituras tradicionais do direito, que compreendem tal fenômeno unicamente como interpretação da norma jurídica, a hermenêutica não é apenas um momento final ou ocasional do fazer jurídico. Ela é estrutural, porque resulta do próprio modo pelo qual irá se compreender e construir o direito.

Se é certo que no próprio direito romano, em fases posteriores, e mesmo nas normas canônicas e jurídicas medievais, já se levantam problemas de interpretação especificamente jurídicos, que se tornarão ainda mais explicitados com o advento do Estado moderno, esse processo histórico não será simplesmente um acúmulo de conhecimento sobre a interpretação do direito, mas sim uma ruptura com o passado.

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REFLETINDO SOBRE

A partir da modernidade, o direito gira em torno de atos e negócios jurídicos empreendidos por sujeitos de direito tidos como livres e autônomos, fazendo com que este tipo de relação se constitua como núcleo da sociedade capitalista nascente. Em parelho à atividade capitalista, o direito que espelha tal núcleo começa a ser consolidado por meio de normas escritas, regulamentos, determinações estatais. Nesse processo histórico, começa a haver uma distância muito grande entre aquele que legisla e aquele que julga. 

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Em períodos anteriores, com o poder político, econômico e religioso indistinto, as normas eram bastante ligadas a fatos ou a vontades insignes. O capricho e o ocasional tinham pronunciada vez. Nos tempos modernos, inicia-se um sistema de unificação e universalização de procedimentos que alcança muitos fatos e fenômenos sociais distintos, dando-lhes uniformidade de tratamento, que reflete a própria uniformidade lógica do mundo mercantil.

Mas no final da Idade Moderna e no início da Idade Contemporânea, com as revoluções burguesas que deram fim ao Absolutismo, o problema da hermenêutica jurídica impõe-se, tornando-se, então, um dos mais importantes da nascente teoria geral do direito. O lema da Revolução Francesa de que era preciso instaurar o governo das leis, e não dos homens, abre um novo foco das atenções do direito.

Não mais se deveria privilegiar a mera opinião do arbítrio e, sim, a determinação da norma jurídica em si mesma. O jurista não era mais visto como um poderoso que fazia e desfazia em torno da norma conforme sua vontade, mas, sim, como um servidor da norma, um trabalhador que deveria aplicá-la de acordo com um modelo praticamente mecânico.

Com o processo de juspositivação e de codificação normativa, a Idade Contemporânea consolida, a respeito da interpretação jurídica, um padrão de louvor às suas ferramentas de controle e previsibilidade. Os métodos, técnicas e tipos de hermenêutica jurídica passam a ser esquadrinhados, em busca de uma pretensa objetividade do processo de aplicação das normas aos casos concretos. O ideal da interpretação jurídica passa a ser, a partir daí, o da subsunção dos fatos às normas, num processo que se desejou o mais imparcial possível.

Fonte: https://images.app.goo.gl/rSPFkYKgGY4DXhSk6

   Ocorre que a hermenêutica jurídica – mesmo armada tecnicamente, a partir de balizas aos textos normativos, e interpretada por juristas treinados em faculdades e tribunais para um afazer técnico – é sempre um procedimento de concreção social e existencial, não apenas um afazer teorético. Daí, as próprias doutrinas jurídicas demandam o reconhecimento dessa natureza não totalmente técnica da hermenêutica jurídica para suas teorias.

            O estudioso Savigny ficou então 4 (quatro) cânones interpretativos, já por volta de o ano de 1850, sendo no final do século XIX e no início do século XX que a interpretação passa a ser mais sofisticada, com o declínio da denominada Escola Exegética. São eles, o cânone gramatical, histórico, lógico e sistemático.

Fonte: https://images.app.goo.gl/myZKHD5HLK3ZLFVn6

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REFLETINDO SOBRE

A Escola da Exegese teve seu auge no intervalo que vai do ano de 1830 a 1880, com o surgimento do Código de Napoleão (em 1804). Para ela, a interpretação era uma atividade meramente mecânica, devendo apenas revelar o sentido da lei, isto é “o juiz é a boca da lei”.

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Fonte: https://images.app.goo.gl/heHjgXT7hfy7kVKQ9

Seguindo, passamos à abordagem das concepções sobre a Hermenêutica Jurídica em si.

Iniciando pela concepção tradicional ou formalista, da qual se depreende que norma e texto são expressões que se confundem. Neste campo, o julgador é neutro e passivo, ou seja, prevalece a “mens legislatoris”, com relevância da interpretação histórica.

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Nesta abordagem tradicionalista, cunha-se a figura do “Interpretativismo”, em que os julgadores, ao interpretarem a Constituição, devem se balizar a apreender o sentido dos preceitos expressos na constituição, ou, pelo menos, nela implícitos. Logo, se o juiz pudesse se valer de valores substantivos, substituiria a decisão política do legislador.

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          Já para a corrente tida como contemporânea, “o conjunto de textos é apenas um ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais”. Neste sentido, a norma é o resultado da interpretação do texto.

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Nesta abordagem contemporânea, cunha-se a figura do “Não-Interpretativismo”, denotando-se da “possibilidade e a necessidade de os juízes invocarem e aplicarem valores e princípios substantivos (princípios da liberdade e da justiça) contra atos da responsabilidade do legislativo em desconformidade com o projeto de constituição”. 

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REFLETINDO SOBRE

No não-interpretativismo, se admite uma função criativa do juiz, na qual,  este  não é mais boca da lei, como queria o Barão de Montesquieu

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Fonte: https://images.app.goo.gl/w7iRULhehgGP43zT9

Modernamente, como visto anteriormente, a norma é resultado do texto legal,

estabelecido pelo legislador, e da avaliação do intérprete, carregada por sua pré-compreensão, fatos da vida, consequências e ideologias.

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“Norma jurídica” é o resultado da interpretação em geral. Já a denominada “norma de decisão” é o resultado da interpretação do juiz.

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Conteúdo 2: - Métodos de interpretação

 

        Ernst Wolfgang Böekenforde agrupou os métodos de interpretação constitucional, classificação adotada pelo português Joaquim José Gomes Canotilho e tornada notória no Brasil por Paulo Bonavides.

Fonte: https://images.app.goo.gl/N5hG1Ym4VyhuDXMQA

A Constituição possui características peculiares, sobretudo, na parte dos direitos

fundamentais, que exigem uma interpretação diferenciada. Isto se dá  devido ao grande número de princípios; ao caráter fortemente político; à Forte influência da ideologia; e pela grande variedade de objetos e de eficácia das normas constitucionais. Isto, porém, é um tema a ser visto mais detidamente na disciplina de Direito Constitucional.

            Pois bem, como reflexo dos métodos de interpretação constitucional, na Teoria Geral do Direito, igualmente, os estudamos, posto servirem como verdadeiros instrumentos da concretização do próprio Direito, enquanto Ciência.

Fonte: https://images.app.goo.gl/xFKKL3X4y56ABBmt6

O primeiro é o MÉTODO HERMENÊUTICO CLÁSSICO, elencado por Forsthoff, em que se parte da tese de identidade entre lei e constituição. Logo, por ser a Constituição um conjunto de normas, como todas as demais leis, a sua interpretação deve ser feita por meio dos elementos tradicionais, já desenvolvidos por Savigny em 1840, vale dizer: o método gramatical ou literal; o sistemático; o lógico; o histórico; o teleológico; e o comparativo. Estes métodos serão vistos em tópicos posteriores.

            O segundo é o MÉTODO CIENTÍFICO-ESPIRITUAL ou INTEGRATIVO, apresentado por Rudolf Smend, na obra “Constituição e direito constitucional”. Nele,  atribui-se grande relevância ao sistema de valores subjacentes à constituição (elemento valorativo), como, por exemplo, a realidade social (elemento sociológico), pois a Constituição realiza uma integração da vida em sociedade (elemento integrativo), fazendo prevalecer os valores sociais consagrados (espírito). A interpretação objetiva compreender o sentido e a realidade da constituição.

 

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Principais características do método científico-espiritual: a) base de valoração, isto é, a Constituição possui uma ordem de valores a ela subjacente (espírito reinante na sociedade); e b) elemento integrador, em que a Constituição é o principal fator de integração política e social.

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REFLETINDO SOBRE

A crítica que se faz ao método de Smend é que este transparece uma feição mais política (sociológica) do que jurídica.

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         Seguindo, agora o MÉTODO TÓPICO-PROBLEMÁTICO, idealizado por Theodor Viehweg na obra “Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos”. Baseia-se em “topos” (“topoi”), que são esquemas de pensamento, formas de raciocínio, sistemas de argumentação, lugares comuns (podem ser extraídos da jurisprudência, da doutrina, do senso-comum).

Para tanto, há uma argumentação jurídica em torno de um problema a ser resolvido, com opiniões favoráveis e contrárias, prevalecendo a que for mais convincente, ou seja, adequação da norma ao problema (sendo este a primazia), partindo-se dele para a se verificar a aplicação da norma.

Logo, a função dos “topoi” é servir de auxiliar de orientação do intérprete, constituir um guia de discussão dos problemas e permitir a decisão do problema jurídico em discussão.

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Principais características do método tópico-problemático: a) caráter prático da interpretação, voltado, portanto, para resolver problemas; b) as normas constitucionais possuem caráter aberto, logo, admitem múltiplos significados; e c) preferência pela discussão do problema, de modo que as normas não admitem subsunção a partir delas próprias.

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REFLETINDO SOBRE

A crítica que se faz ao método de Theodor Viehweg é que este atribui primazia do problema sobre a norma (a norma deve se adequar ao problema), que é apenas mais um topos, ao lado de muitos outros - demasiadamente subjetivista, dando muita liberdade ao intérprete.

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          Passemos, agora, ao MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR, figurado por Konrad Hesse na obra “A força normativa da Constituição”, em que se parte da ideia de que interpretação e aplicação consistem em processo unitário (concretista) e possui 3 (três) elementos básicos: 1º) a norma a ser concretizada; 2º) o problema a ser resolvido; e 3º) a compreensão prévia do intérprete. A norma é resultado da interpretação (apelativo do intérprete). Logo, há a primazia da norma, partindo-se desta para se resolver o problema.

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Elementos do método hermenêutico-concretizador: a) pressupostos subjetivos, em que o intérprete possui uma pré-compreensão da constituição, exercendo um papel criador ao descobrir o sentido da norma; b) pressupostos objetivos, em que o intérprete atua como um mediador entre o texto e a situação na qual ele se aplica (contexto); e c) círculo hermenêutico, isto é, a interpretação é transformada em movimento de ir e vir, concretizando a norma como resultante da interpretação.

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Fonte: https://images.app.goo.gl/wsKNiVvRt2ERSceT9

            Por fim, o MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE, formalizado por Friedrich Müller na destacada obra “Métodos de trabalho do direito constitucional”. Segundo este doutrinador, a concretização da norma merece ser elaborada por intermédio de vários elementos, dentre os quais, o metodológico (clássicos de interpretação e princípios da interpretação da constituição), dogmáticos (doutrina e jurisprudência), teóricos (teoria da constituição) e política constitucional. Há, portanto, uma relação social intricada entre o texto e a realidade.

 

            Fonte: https://images.app.goo.gl/RY99eT3VW7bDsVqo6

Note que, nesta situação, a norma não compreende apenas o texto, abarcando também um pedaço da realidade social, que é a parte mais significativa (chamado “domínio normativo”).

Assim, o intérprete deve considerar os elementos resultantes da interpretação do texto (programa normativo) e da investigação da realidade social (domínio normativo).

 

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Conteúdo 3: - Regras de interpretação jurídica propriamente

Já sabemos que, no trabalho do intérprete, este se vale de meios pelos quais, o estudioso do Direito apreende e compreende o sistema jurídico e seu funcionamento.

            É válido o ditado de que “o bom intérprete conhece bem os métodos”.

            Desta feita, aquelas regras clássicas de interpretação idealizadas por Savigny merecem especial atenção e estudo  neste tópico.

            A primeira regra é a INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL. Dá-se através das palavras jurídicas, nas suas funções sintática e semântica, que o intérprete mantém o primeiro contato com o texto posto. Ocorre à vista da própria redação dos textos normativos e serve também para corrigir eventuais erros de redação encontrados no texto (exemplo, a leitura literal feita do art. 2º, da Constituição Federal).

A interpretação gramatical é a compreensão de que o jurista realiza, partir da própria língua, de sua estrutura sintática, do conjunto de suas palavras, dos verbos que exprimem condutas etc. É o nível mais imediato da hermenêutica, aquele que toma contato imediato com o próprio texto da norma jurídica.

            Segundo, a INTERPRETAÇÃO LÓGICA é aquela que leva em consideração os instrumentos fornecidos pela lógica para o ato de intelecção que, naturalmente, estão presentes no trabalho interpretativo, buscando traduzir fielmente a vontade do legislador. Por exemplo, o Código Civil ao dispor que o pagamento da dívida deve se operar na data do vencimento, certamente se admite que tal seja feito antes do próprio vencimento do débito (afinal, “quem pode o mais, pode o menos”).

A interpretação lógica procede de acordo com as ferramentas lógicas que clarificam o sentido e a compreensão do texto. Os princípios da identidade e do terceiro excluído, por exemplo, auxiliam na compreensão das normas. Quando uma norma versa sobre o pagamento do Imposto de Renda, não está tratando  sobre ICMS. Esse procedimento de apreensão lógica é também bastante primário, e se soma à interpretação gramatical.

            Terceiro, a INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA, por essa regra, cabe ao intérprete levar em conta a norma jurídica inserida no contexto maior de ordenamento ou sistema jurídico. O intérprete deve, portanto, dar atenção à estrutura do sistema, aos comandos hierárquicos, à coerência das combinações entre as normas e à unidade enquanto conjunto normativo global. Logo, não se deve ler um artigo da norma isolado dos seus incisos, parágrafos e alíneas, ou seja, não se deve analisar um setor jurídico fora da relação com o sistema como um todo.

A interpretação sistemática é aquela que se faz tendo, por base, a compreensão da norma no contexto do ordenamento ou do sistema jurídico. Trata-se de interpretar a norma relacionando-a com as outras do ordenamento, comparando-a com os princípios do sistema, descobrindo eventuais ambiguidades, antinomias ou lacunas. Também, na interpretação sistemática, há de se investigar a validade, a vigência ou o perecimento da norma, por exemplo. Trata-se de uma hermenêutica mais ampla, mas ainda de uma interpretação voltada diretamente à norma.

            Quarto, a INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA ocorrerá quando se considera os fins (“telos”) aos quais a norma jurídica se dirige, como podemos observar do que dispõe, por exemplo, o artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

A interpretação teleológica é aquela que busca, nas normas e nas situações jurídicas, a compreensão de seus propósitos. A palavra telos, em grego, remete à ideia de finalidade, de objetivo. Buscar a teleologia da norma é vasculhar suas razões, que exprimem justificativas de suas intenções.

Quando se estabelece uma série de procedimentos e aparatos do direito penal, diz-se esperar, com isso, um determinado objetivo social, de controle da sociedade, por exemplo. A interpretação teleológica é aquela que vasculha essas finalidades do direito.

            Quinto, a INTERPRETAÇÃO SOCIOLÓGICA ou HISTÓRICA que se preocupa em investigar os antecedentes da norma: como ela surgiu, por que surgiu, quais eram as condições sociais do momento em que ela foi criada; quais motivos políticos levaram à sua aprovação. Considera o texto normativo como um produto histórico (e não apenas fruto da vontade do legislador), sendo assim, mutável e adaptável conforme o momento histórico.

A interpretação histórica é aquela que busca fixar as circunstâncias que, em determinado tempo histórico, levaram à formação da norma jurídica. Quando o jurista busca os debates legislativos que precederam à promulgação de determinada norma jurídica, está apreendendo muito do contexto dos problemas, ideias e pretensões da  época histórica do surgimento dessa norma.

A interpretação sociológica, por sua vez, também alcança um nível maior que o da textualidade da própria norma jurídica. Vai buscar, na sociedade, as causas que geraram base à formação da norma. Os conflitos sociais, as lutas de classe, as contradições, os interesses em jogo, a cultura, pressões políticas, econômicas, culturais, religiosas etc., tudo isso entra em campo para o entendimento da norma jurídica.

            Sexto, a INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA é aquela realizada pelo poder de que emana o ato que se pretende interpretar.

A interpretação autêntica, para Hans Kelsen, é aquela que é feita por meio da autoridade juridicamente competente para aplicar a norma jurídica. O juiz, no momento em que prolata uma sentença, está impondo uma interpretação das normas que deverá ser cumprida pelas partes. O desembargador, o ministro do tribunal, quando julgam um recurso e fixam qual a interpretação correta a respeito da norma, estão procedendo a uma interpretação autêntica.

Para Kelsen, considera-se autêntica a interpretação que é feita pelo órgão juridicamente competente. Não se quer dizer, com isso, que a interpretação seja boa ou ruim, correta, acertada, justa. Quer-se dizer, apenas, que o órgão tem competência formal para julgar e fixar qual a interpretação que deverá ser seguida em torno da norma jurídica.

            Sétimo, a INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA realizada pelos juristas que estudam o direito do ponto de vista teórico.

Já a interpretação doutrinária, para Kelsen, é toda aquela que é feita por pessoas e órgãos que não são autoridades competentes. Um professor de direito, quando relata a respeito de uma norma jurídica, numa sala de aula de faculdade de direito, faz uma interpretação doutrinária. Um pensador do direito, quando escreve um livro,  também interpreta as normas doutrinariamente.

O próprio juiz, fora de seu gabinete, quando escreve um livro sobre um determinado assunto jurídico, não faz interpretação autêntica, e sim doutrinária. Autêntica é somente aquela interpretação que, feita pelo órgão competente, gera uma aplicação compulsória de sua determinação.

A interpretação doutrinária não é uma interpretação que seja considerada ruim ou débil em comparação à interpretação autêntica. Não se trata de um juízo de valor sobre a melhor interpretação. Muitas vezes, os doutrinadores podem compreender uma norma jurídica com muito mais profundidade, ciência, justeza e correção que um tribunal, por exemplo. Mas sua interpretação não tem o dom de vincular os casos práticos, ao contrário daquela do tribunal.

            Por último, a INTERPRETAÇÃO JUDICIAL feita pelos membros do Poder Judiciário, quando provocados.

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REFLETINDO SOBRE

Viemos às regras de interpretação propriamente ditas, mas cabe diferenciar dos efeitos que delas podem decorrer, conforme explicamos logo abaixo.

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Quanto aos efeitos/consequências da interpretação deduzida pelo cientista do Direito, podemos destacar principalmente 2 (dois):

I) Efeito DECLARATIVO é aquele em que o intérprete se limita a “declarar” o sentido da norma jurídica interpretada, sem ampliá-la nem restringi-la. O resultado do trabalho do intérprete quando norma jurídica é clara se confunde com o próprio texto da norma;

II) Efeito RESTRITIVO vale dizer, que restringe o sentido e o alcance apresentado pela expressão literal da norma jurídica. Ocorre quando o texto diz mais do que é razoável se aceitar. O resultado então fixa o sentido e o alcance da norma jurídica nos exatos limites em que ela deveria estar; e o

III) Efeito EXTENSIVO quando se amplia o sentido e o alcance apresentado pelo que dispõe literalmente o texto da norma jurídica.

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Conteúdo 4: - Lacunas e meios de integração das normas jurídicas

Fonte: https://images.app.goo.gl/4Jib85QouQ7fXdHc8

É costume que a Teoria do Direito elabore diferenças entre os métodos de interpretação e os métodos de integração do direito. Os métodos interpretativos, em geral, fazem parte da ideia da própria norma jurídica, procurando fixar os conteúdos precisos. Por outro lado, a integração iniciaria à vista de lacunas no ordenamento jurídico e, diante de tais situações não normatizadas, o cientista do Direito busca trazer elementos novos que preencham o vazio normativo.

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Os métodos e tipos hermenêuticos trabalham com normas já existentes, aplicando-as a casos concretos. A integração, justamente por trabalhar em casos nos quais se alega falta de norma, busca trazer aos casos concretos outras normas, princípios ou orientações.

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Por não trabalhar diretamente com normas jurídicas que se refiram explicitamente a determinados casos, o jurista juspositivista tem muita desconfiança dos métodos de integração do direito, considerando-os vagos e discricionários. Nesses casos, estão em tela as questões e os problemas das lacunas.

            Ao observarmos o contexto em que vivemos, podemos constatar que há, indubitavelmente, uma ânsia/vontade de controle pelo Estado contemporâneo na vida de seu povo.

            E diante desta “onipresença estatal” e busca da completude normativa, alguns questionam se de fato haveria lacunas/espaços vazios no sistema jurídico.

            Ora, é certo igualmente ser impossível, em termos jurídicos, o Estado ter esse controle total, de modo que haverá casos em que não há regulação pelas normas jurídicas.

            Portanto, serão vislumbradas a existência de lacunas das normas, não do sistema jurídico.

A questão das lacunas está inserida no contexto da qualidade do ordenamento jurídico. Desde o século XIX, quando o Estado burguês passa a dominar todos os quadrantes das relações sociais, seu ordenamento jurídico se assenta sobre a reputação de coerente, completo e unitário.

Com isso, os juristas burgueses quiseram dizer a respeito do fato de que não há dois ordenamentos jurídicos válidos em um mesmo Estado, não há normas contraditórias dentro do mesmo ordenamento, e não há falta de normas para julgar qualquer caso a partir de um dado ordenamento jurídico estatal.

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REFLETINDO SOBRE

Quando se fala que um ordenamento é incoerente, é porque se atribuem a ele muitas normas que, de modo distinto, tratam do mesmo assunto. Mas, quando se fala que um ordenamento é lacunoso, é porque se atribui a ele uma falta de normas para regular algum caso específico. 

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Embasando a discussão sobre a possibilidade de se fazer a integração da norma jurídica, está a clássica divisão liberal-burguesa dos 3 Poderes estatais, é dizer, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.

 O pensamento jurídico tecnicista abomina a integração, porque ela constituiria uma espécie de poder legislativo dado às mãos dos juristas, que deveriam estar restritos apenas ao campo do poder judiciário. Essa estrita divisão do Estado em três poderes é tradicionalista, conforme os propósitos do antigo liberalismo burguês, e na realidade jurídica contemporânea já não se pode dizer que o executivo não legisle, nem se pode considerar que o campo judiciário seja uma máquina inerte que, simplesmente, aplica leis a casos concretos como se fossem um robô, cuja mecânica não se ligasse ao poder e à discricionariedade.

Mas é preciso ressaltar que, tanto no caso da interpretação das normas quanto no caso da integração, o jurista opera tanto com uma discricionariedade existencial quanto com uma reprodução ideológica estrutural, constituindo sua hermenêutica jurídica a partir de relações de poder.

            Assim, tomando-se por base que o Estado-Juiz não pode se furtar à sua atividade de aplicação do Direito, vedando-se o chamado “non liquet”, o ordenamento jurídico brasileiro traz 3 (três) soluções visando suprir a existência de eventuais lacunas normativas, integrando-as, ou seja, preenchendo tais lacunas (“colmatando-as”).

            Tais soluções possuem previsão expressa no artigo 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), como sendo: a analogia, os costumes e princípios gerais do direito.

            Vejamos, pois, cada um desses INSTRUMENTOS DE “INTEGRAÇÃO” DA NORMA JURÍDICA.

 

Fonte: https://images.app.goo.gl/yBdH49TfYUYr7uhTA

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A atividade de “integração” é o meio através do qual o intérprete colmata/preenche a lacuna encontrada. Há, neste caso, como pressuposto, ter o intérprete se valido de todas as regras de interpretação, mas sem êxito na aplicação da norma pretendida.

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O primeiro instrumento de integração/colmatação trazido pela LINDB é a ANALOGIA, entendendo-se o modelo de preenchimento de lacuna que tem como base outra norma jurídica que não foi feita para o caso examinado. A aplicação da norma feita para um caso em outro semelhante, que não tenha previsão nomeada no sistema.

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A analogia se vale do raciocínio lógico-indutivo, partindo-se do geral para o particular. Por exemplo: a galinha 1 tem penas, galinha 2 tem penas, galinha 3 tem penas, galinha 4 tem penas, logo, todas as galinhas têm penas. Deste modo, a partir do momento em que um caso particular não está preconizado no ordenamento jurídico por uma de suas normas prefixadas, para suprir a lacuna, por analogia, o intérprete necessitará descobrir um caso assemelhado.

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REFLETINDO SOBRE

“Casos semelhantes devem ser regulados de maneira semelhante”. Eis, contudo, a dificuldade de se estabelecer de fato o que seria “caso semelhante”.

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Ainda sobre a analogia, podemos constatar haver duas espécies:

I) ANALOGIA “LEGIS”  a qual pressupõe uma hipótese prevista, outra não prevista, e a submissão de ambas a um mesmo dispositivo; e

II) ANALOGIA “IURIS” cujo caso não previsto não pode ser regulado por um dispositivo previsto, por faltar relação de semelhança.

            Por sua vez, os COSTUMES, sendo o segundo método trazido, na LINDB,  revela-se como norma jurídica não escrita, conforme já visto na unidade 1 (merecendo se fazer uma revisão).

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REFLETINDO SOBRE

Quando o intérprete procurar no sistema jurídico, a norma, a ser aplicada, encontra apenas o costume jurídico, não há lacuna, pois o costume é norma própria do ordenamento e, assim, faz parte do sistema. Se não há lei, mas há costume jurídico, não há lacuna.

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            Por fim, o último elemento integrador trazido na LINDB são os PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. Apesar da existência de divergências doutrinárias, em síntese, são princípios que inspiram e dão embasamento à criação de toda e qualquer norma, inclusive e especialmente a Constituição, bem como os valores sociais que afetam o sistema e dirigem sua finalidade.

            Cada ramo do Direito tem seus princípios peculiares, como por exemplo, a justiça, a dignidade do homem, a isonomia, a vida, a saúde, o sistema republicano.

 

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Parte-se, nesta hipótese, das normas concretas e, abstraindo do que há nelas de particular, vai-se subindo em abstrações mais genéricas, podendo estender a generalização até o último grau da escala ascendente.

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REFLETINDO SOBRE

Antes de finalizarmos este tópico, devemos mencionar que, a despeito de não estar previsto no artigo 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), a chamada EQUIDADE  também é uma forma de preenchimento da lacuna. Sendo um modo de avaliação do ato interpretativo mais amplo. É a aplicação justa no caso concreto.

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Conteúdo 5: Outros temas relevantes de Teoria Geral do Direito

            Para encerrarmos a disciplina Teoria Geral do Direito (TGD), reputamos relevante fazer reflexões acerca de mais alguns temas afins à temática já abordada.

         Para tanto, constatamos que, na interpretação do sistema jurídico, há de haver um dever de observância dos princípios, pois são eles os responsáveis por dar estrutura e coesão ao edifício jurídico.

            Os princípios são vetores para o intérprete, orientando, condicionando e o iluminando.

           Defloramos também que, no sistema jurídico brasileiro, há uma certa hierarquia normativa, cuja análise dedutiva se dá, portanto, “de cima para baixo”, de modo que o sistema jurídico se encontra em constante aperfeiçoamento.

       Entretanto, de nada adiantaria termos todo um complexo normativo estruturalmente organizado, detentor de métodos e regras de interpretação, se não tivéssemos o mínimo de SEGURANÇA JURÍDICA e CONFIABILIDADE.

          Neste sentido, confiança, no ordenamento, gera segurança como base de convicção. Já a ausência de confiança, acarretará, por lógica, a insegurança no sistema de Direito.

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REFLETINDO SOBRE

Com base nestas premissas que, popularmente, muitos dizem haver “leis que pegam e leis que não pegam”.

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           Obviamente, esta segurança e confiança se estabelecem pelas relações do passado, isto é, pela experiência, ganhando projeções para o futuro, como consequência.

            Em uma segunda reflexão, podemos ainda fazer uma interlocução entre a interpretação e a BOA FÉ OBJETIVA.

            Ora, com a aplicação e operação do Direito surgem diversos problemas na análise da norma, posto a dificuldade inerente à compreensão do comportamento humano.

            Assim, há certa pressão em todos os 3 (três) Poderes Constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), pois, ao mesmo tempo que se tenta imprimir um caráter educativo da norma, também se quer, como dito, anteriormente, um controle político-social.

            Neste ponto, tomam-se decisões jurídicas e elas são fruto do próprio ato interpretativo, este como sendo dotado de argumentação racional, advinda de discussão racional, fruto de sujeitos racionais que articulam proposições, logicamente, racionais.

 

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REFLETINDO SOBRE

Questiona-se se sempre se pode resolver problemas de modo racional.

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Utilizam-se ainda modelos para solucionar problemas, como o fato notório, as regras da experiência, o homem médio, a razoabilidade, o equilíbrio, o bom senso, o senso comum, tudo isso que nada mais são do que verdades objetivas.

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          Feito este contexto, podemos dizer que o parâmetro da BOA FÉ, em seu aspecto OBJETIVO, independe da constatação do aspecto subjetivo (ignorância ou intenção), pois é levada à verdadeira fórmula de conduta, capaz de apontar o caminho para solução da pendência.

Em síntese, ela reflete como sendo a regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas numa relação jurídica, composto do dever de lealdade e honestidade.

 

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Boa fé na sua modalidade SUBJETIVA é a ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificativo, impeditivo ou violador de seu direito. Perfaz-se como a falsa crença acerca de determinada situação pela qual o detentor do direito acredita ser legítima, pois se desconhece a verdadeira situação. Podemos citar como exemplos os artigos 879, 1.201, 1.202, 1.561, todos do Código Civil. Já a má fé subjetiva, vem a ser o dolo, intenção de violar o direito da outra pessoa envolvida.

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REFLETINDO SOBRE

O trabalho do intérprete, com a boa fé objetiva, deve se dar na medida em que ela é uma pré-condição abstrata de uma relação ideal (justa), sendo assim, um modelo principiológico que visa evitar abusos ou obstruções.

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            Por último, necessário tercemos breves considerações sobre a JUSTIÇA.

 

Fonte: https://images.app.goo.gl/2JpS8YPeMPJ6FUrMA

A referência à Justiça é a mais rotineira legitimação ideológica da atividade do Direito prática e de seu arcabouço teórico. Da mesma maneira que um religioso embasa seus mandamentos na moral, o jurista (enquanto cientista do direito)  reporta-se à justiça de seus atos e suas normas. Nas sociedades contemporâneas, lastreadas no Estado e no Direito, por justo se trata, quase sempre, uma expressão retórica de consenso ideológico médio que serve de referência à argumentação prática dos operadores do direito.

O conceito de justiça ao qual se refere ideologicamente o jurista é uma qualidade: a qualidade justa de alguma coisa. Quando se diz que uma roupa está ajustada ao corpo daquele que a veste, tal exemplo consegue oferecer o sentido do que vem a ser essa qualidade justa. No caso do direito, dir-se-ia, então, que é justo que tal norma seja aplicada a tal caso concreto, ou, então, que é justo que tenha havido um crime, porque o réu agira sob legítima defesa.

            Denotando-se como um dos mandamentos mais antigos no mundo do Direito, temos a célebre frase: “O teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça”.

A referência à justiça é sempre histórica, ideológica, carregada da visão de mundo dos detentores do poder. Perder de vista tal historicidade da justiça é imaginar

que haja conceitos etéreos, que pairaram acima da existencialidade humana. Além disso, deve-se fazer uma diferença entre as visões filosóficas sobre a justiça, que são vistas, há muito, na história do pensamento jurídico, e a própria efetividade do que se  considerou por justiça.

O justo e o injusto, muito mais do que inventariados no pensamento, devem ser historiados na prática efetiva das relações sociais. O pensamento filosófico pode espelhar o conceito social de justo. Em alguns casos, pode influir sobre as concepções efetivas a esse respeito, e, quase sempre, é influenciado pela realidade.

Em cada um dos grandes modos de produção da história, chamou-se por justiça a sua exata reprodução social. Considera-se justo o que mantém a ordem existente. Os grandes horizontes do escravagismo construíram um conceito de justiça antigo. O feudalismo impunha uma percepção de justiça típica do mundo medieval. As sociedades capitalistas consideram por justo as balizas que garantem sua reprodução. Na antiguidade, a força justificava o mando.

O senhor se sustenta pelo domínio bruto, e o seu mando sem peias é considerado justo. Na Idade Média, a conservação da posse e a submissão dos servos são tratados como uma espécie de justo estático, espelho de uma vontade divina. No capitalismo, o cumprimento dos contratos e a manutenção das suas instituições jurídicas correlatas – Estado, direito subjetivo – é o próprio justo moderno.

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REFLETINDO SOBRE

Nas sociedades pré-capitalistas, a noção de justiça é fortemente influenciada pela própria organização das sociedades escravagistas e feudais. A justiça se referencia na sorte, na interferência divina, porque, também, o poder de dominação é ocasional, dependente da força bruta, da violência, dos engenhos diretos de exploração social. De fato, nas sociedades antiga e medieval, sem uma estrutura formal e mecânica de exploração, a concepção de justiça está, então, carregada de referências teológicas, típicas da sorte, do acaso, do acidente, das vontades e deliberações divinas.

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A justiça da exploração antiga era legitimada pela vontade divina. Dizia Santo Agostinho que a justa ação do servo era a de conformar-se à condição servil, porque assim Deus o quis. Ora, algumas das mais altas aberrações de injustiça da história humana, como a escravidão e a servidão, eram consideradas situações justas, porque, teoricamente, essa seria a vontade de Deus.

Essas velhas concepções sobre a justiça, lastreadas no acaso, na oportunidade, na mera deliberação pessoal do dono do poder, ou então reputadas na conta de vontade divina, são deixadas de lado com a estruturação da sociedade capitalista. A modernidade não pode conservar as antigas referências sobre a justiça.

O capitalismo não se assenta no acaso, na vontade instituidora da ordem, mas sim numa reprodução contínua de seus padrões. Atomizando seus núcleos reprodutores – lastreando-se no  sujeito de direito – sua noção de justo é uma mecânica universal desses mesmos núcleos.

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O capitalismo gesta e exponencia o fenômeno da processualização, da formalização e da tecnicização da justiça. Com o capitalismo, o justo e o injusto não se referem mais a situações concretas ou a vontades divinas, mas sim a perspectivas técnicas, normativas. A forma revela o justo.

 

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Em sociedades antigas, como as escravagistas, era considerado justo que o poderoso, por ter ganho uma guerra, fizesse do outro seu escravo. Tal justeza da situação era reputada pelo seu heroísmo, ou pela sua força, ou pela ascendência resultante de seu mérito, ou pela natureza das coisas, pelo fato de que alguém sempre mandará em alguém, ou pela vontade divina.

 Se um escravo mendigasse pão, sua petição não seria tida como um constrangimento à justiça daquela situação. Se era natural que fosse escravo, natural também seria que seu destino fosse tão só e, meramente, aquele que seu dono lhe quisesse dar. Essa era a injustiça antiga, que se reputava uma forma de justiça.

Daí ocorre que a alma do jurista moderno, em geral, é carregada da mais profunda frieza e calculabilidade técnica e formal, e o operador do direito considera essa frieza a expressão mais típica possível do fazer justiça. Para o técnico, o cumprimento das normas do direito já é toda a justiça que o direito pode e deve realizar. A frieza de não se inquietar com a existência do mendigo, mas sim de apenas manejar tecnicamente normas jurídicas estatais, é considerada virtude ao jurista moderno.

Na maioria das vezes, fala-se em razão e justiça para confirmar a ordem estatal existente. Mas é importante lembrar que alguns se valem do conceito de direito natural para dizer que há referências de justiça que se levantam contra as normas positivadas do Estado.

 Esse uso do conceito de direito natural é muito raro, e os juristas que assim procedem, em geral,  referenciam-se a um direito natural de combate. Para eles, é preciso desvendar algo por detrás das normas do Estado, a fim de modificá-las. Se há injustiça estrutural na sociedade, é preciso combatê-la, transformando as relações sociais e inclusive o direito que as sustenta.

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REFLETINDO SOBRE

Será que o Direito e a Justiça seriam considerados como verdadeiros paradoxos? Direito é igual à Justiça ?

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O teórico JOHN RAWLS, ao abordar “uma Teoria da Justiça”, traz consigo um modelo contratualista, vale dizer que, o direito a todas as liberdades, distribuição das desigualdades econômicas e sociais.

Em seu turno, MIGUEL REALE preleciona que a justiça não se identifica com valores ou liberdades, mas é condição para tudo, sendo o fundamento jurídico e o fim buscado de harmonia e paz social.

Já o clássico ARISTÓTELES, em sua época, tratava a justiça como sendo a “vontade constante de dar a cada um o que é seu” , logo, o oposto ao egoísmo. A justiça é tida para ele como virtude, o fazer o bem.

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Aristóteles elenca dois atributos da justiça: a) retributividade, que é a entrega de honras, dinheiro, tudo que possa ser repartido entre os membros da comunidade (distribuição, igualdade proporcional); e a b) corretividade, é dizer, restabelecer o equilíbrio nas relações privadas voluntárias (contratuais) e involuntárias (ilícitos).

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            Finalmente, SÃO TOMÁS DE AQUINO, inspirado na tradição aristotélica, afirma que justiça é “dar a cada um o que lhe é devido”. Todavia, encontra-se no problema de se definir “o que é devido”. Em suma, seria “dar tratamento igual entre os iguais, e desigual entre os desiguais, na proporção de sua desigualdade”.

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REFLETINDO SOBRE

É preciso claramente dissociar o fenômeno jurídico da qualificação de justo. Se no ângulo de sua legitimação são tratados como sinônimos, na efetiva concretude social são coisas distintas, e, nas sociedades capitalistas, são tornadas praticamente opostas uma à outra.

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O problema do justo quase sempre é reduzido a horizontes muito pequeno de apreciação. As inquietações do jurista médio só falam de assuntos sem relevância estrutural. Seu impulso crítico contra as injustiças alcança esferas pontuais, ou, quando gerais, ainda assim no limite de sua atividade quotidiana.

O advogado se indaga sobre se é justo que o seu cliente pague pelo que não fez. O juiz se indaga se é justo condenar um homem à prisão. São angústias amargas de juristas, mas são angústias restritas a fenômenos parciais do todo da verdade social do direito.

Como os contratos são considerados fenômenos arraigados, naturais do capitalismo, o juiz quase nunca se indaga se é de fato justo conceder a alguém o direito à execução de um contrato qualquer. Mas, muitas vezes, o juiz tem pruridos ao condenar alguém à prisão e lhe tirar a liberdade.

A prisão até já lhe parece desumana, mas o contrato lhe parece natural. Peculiarmente, o fenômeno que gera a angustiada reflexão sobre o dom de condenar alguém à prisão é o mesmo que não gerou nenhuma reflexão no caso da execução de um contrato: trata-se do poder, que se manifesta nas situações mais graves, mas também nas mais corriqueiras.

Condenar alguém à prisão e executar um contrato são duas faces do mesmo fenômeno, ainda que a moral média faça grande drama da condenação e quase nada do contrato, embora seja este que instrumentaliza o ter e o poder de alguns e o não ter e a submissão da maioria. O fato de que haja um aparato institucional de poder que dá ao juiz o condão de julgar e condenar deve ser a grande reflexão, não só aquela pequena reflexão angustiada sobre o mérito de um julgamento específico.

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Pode-se perceber que o tema do justo é bastante dissociado de sua real fonte social. O jurista não se indaga a respeito das causas sociais profundas do fenômeno jurídico. Ele para em algum ponto menor dessa grande estrutura de poder. 

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O jurista mais acurado chega a criticar o poder excessivo que se dá a um juiz de tribunal em face de um juiz de primeira instância. Outro chega a criticar o fato de um juiz ser muito jovem e sem experiência profissional. Mas quase nenhum chega a criticar a própria existência dos juízes, que é a própria existência do Estado.

O direito é dissociado do justo, porque o fenômeno jurídico é um fenômeno histórico específico, haurido de determinadas relações sociais de exploração. Suas razões são devidas a específicas relações e estruturas sociais, e não a apreciações do justo. Desde que não se tome o justo como o espelho imediato dessas mesmas relações – o que a maioria o faz – o direito é dissociado de uma apreciação real do justo.

 Dado o fato de que a sociedade que gera o direito é estruturalmente cindida, explorada, dominada – portanto é, estruturalmente injusta, a partir de uma apreciação direta das próprias relações sociais – o direito, que é um fenômeno decorrente dessa sociedade, é também injusto. Se o jurista chama a manutenção jurídica das injustiças sociais por justiça, isso se deve ou à má-fé ou a mais profunda alienação do profissional do direito, que é decorrente da própria reprodução ideológica que o perpassa.

A sociedade vive em exploração, a maior parte do mundo sofre a injustiça e a crueza da vida. A fome, a dor, a miséria, a falta de cuidados, a repressão, a segregação, a humilhação, a desigualdade, tudo isso é a característica padrão da maior parte da humanidade até hoje. Chamar a isso de sociedade justa é zombaria.

Há ainda autores que defendem que o Direito não pode se dissociar da Justiça. O fato é que para entender o fenômeno com o qual trabalha, o jurista é aquele que olha para o hoje com os olhos no ontem, mas também deve ser aquele que olha ao hoje com os olhos no amanhã.

Realmente, o Direito moderno, da era capitalista, apenas consegue ser compreendido a partir do momento que o comparamos com o passado, com as formas de Direito pré-capitalistas. O passado era artesanal, dependente das variações e fragilidades do poder escravagista ou feudal. Já no presente, como vimos, o Direito é estritamente técnico e impessoal.

Mas o jurista também só consegue entender o hoje se tiver o seu olhar volvido para o horizonte do amanhã. As profissões do jurista não são mera e simplesmente contemplativas: o advogado, por exemplo, quer que a demanda de seu cliente seja ganha e as coisas sejam, então, colocadas no seu devido lugar, já o magistrado compreende um caso para lhe dar uma futura decisão. Note que o agir do jurista, ainda que brigue, hoje, pelos fatos de ontem, espera sempre algo no amanhã (no futuro).

Todo jurista olha para o amanhã/futuro, porque espera, no exercício de seu mister, uma decisão que lhe seja a melhor ou a mais favorável. Todavia, os grandes juristas, é dizer, aqueles que transcendem os afazeres do dia a dia nos fóruns, são aqueles que têm os olhos voltados ao amanhã observando também os mais altos horizontes da Justiça: se o mundo capitalista atual é estruturalmente injusto e desatento aos deveres sociais, é preciso transformá-lo estruturalmente, e, no lugar de seus escombros, construir então uma sociedade justa e igualitária.

Daí, então, o posicionamento crítico do jurista é o seu mergulho no todo social. As contradições do mundo passam pela sua formalização jurídica, mas são maiores que o direito. As lutas políticas e sociais de transformação é que tornam um jurista um homem crítico e pleno, não por conta de seu afazer de jurista crítico, mas pela sua luta estrutural travada no conjunto dos explorados.

Tal é a diferença entre um jurista tacanho e um jurista aguerrido e honorável: a consciência política do seu papel, que se traduz na compreensão científica da sociedade, no entendimento profundo das causas das grandes injustiças do mundo, na

denúncia violenta dessas estruturas de exploração, poder e dominação, e na ação coletiva, política e social plena – essa arte inspirada e iluminada – da transformação das estruturas sociais.

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REFLETINDO SOBRE

Poderia um homem ser ao mesmo tempo um pai injusto, mas um juiz justo? Haveria lei justa e lei injusta? Para uns, justo é o que está de acordo com a lei e injusto seria o contrário. Buscar evitar leis injustas ou de resultados injustos é o parâmetro de muitos. A justiça como sendo o fenômeno a se constatar “in concreto”.

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QUERO SABER MAIS

Saiba mais sobre hermenêutica do direito em: https://www.conjur.com.br/2015-ago-29/isto-hermeneutica-juridica

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